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quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Brasil, racista e preconceituoso



Intolerância online rompe com a ideia do brasileiro cordial
Publicado em:19/09/2016
em: Casos de Preconceito, Casos de Racismo, Questões de Gênero
Dossiê pesquisou quase 400 mil posts de temas polêmicos na internet e constatou que 84% deles têm comentários negativos

por Raquel Sodré no O Tempo





Durante muitas décadas, o brasileiro foi encarado como um povo gentil. A ideia partiu da pesquisa do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, que publicou o livro “O Homem Cordial” em 1936. Se fosse escrito hoje, talvez o livro se chamasse “O Homem Intolerante”, pois é essa a característica marcante que um novo dossiê revela sobre o brasileiro.





Surpresa. Caio Túlio Costa, coordenador da pesquisa, ficou surpreso com a força da intolerância nas redes sociais

O documento – do projeto Comunica Que Muda – foi elaborado de abril a junho e analisou o conteúdo de mais de 393 mil posts e comentários na internet. “Queríamos entender como as questões da intolerância estavam sendo abordadas no meio digital”, conta Caio Túlio Costa, um dos coordenadores do estudo. O documento analisou postagens com temas polêmicos, como racismo, política e machismo.

Mais de 84% das menções foram negativas, e o racismo desponta como assunto mais difícil de ser discutido saudavelmente: 97,6% das menções ao tema são negativas. Praticamente empata com política, em que 97,4% dos posts e comentários contêm intolerâncias. “Não esperávamos que as menções negativas fossem ser tão expressivas”, diz Costa.

Em agosto deste ano, a cantora e blogueira Mariana Belém, 36, filha da cantora Fafá de Belém, foi vítima do ódio nas redes. Pelo Twitter, ela e suas filhas – Laura, 4 anos, e Julia, 7 meses – foram ameaçadas de morte e de estupro. “Dos nove tuítes na página (onde as ameaças foram publicadas), sete eram direcionadas ao meu perfil e incluíam coisas grotescas, como pedofilia, estupro e ameaças de morte”, contou ela em entrevista a O TEMPO.

Em alguns casos, a intolerância acontece entre membros de um mesmo grupo, como viveu a tatuadora Ana, 21, que prefere não se identificar na reportagem. Ela participa de um grupo feminista no Facebook e, na última semana, manifestou uma opinião dissonante da maioria.

“Eu e outras meninas começamos a defender nosso ponto de vista de forma firme. Em momento nenhum ofendemos outras pessoas. Mas o pessoal ‘surtou’, começou a nos ofender, debochar da nossa opinião”, conta. Ela foi convidada a se retirar do grupo e parou de acompanhar a discussão para não se entristecer mais. “As pessoas, na internet, não se sentem pessoas. Pensam ser um grande ‘The Sims’ (jogo)”, pondera.

Monólogos coletivos. Para a psicóloga Nádia Laguárdia de Lima, professora da UFMG, a impressão de Ana está correta. “As pessoas se sentem mais à vontade na internet, pois não estão frente a frente com o outro. Elas se sentem protegidas pela tela do computador”, afirma.

Nesse mundo de pessoas “sem cara”, muitas discussões acabam levando a lugar nenhum. “A facilidade de expressão, a ausência de censura e a proteção da tela do computador têm favorecido uma falação sem precedentes. As pessoas falam por falar, nem sempre com clareza de suas convicções, reproduzindo mensagens de autoajuda, piadas, charges, imagens, compulsivamente. Há um excesso que, paradoxalmente, produz um vazio de sentido. Por vezes, acompanhamos monólogos coletivos, onde todos falam e ninguém escuta”, constata Nádia.
Perseguições não se limitam à internet

Se a internet é um poço de intolerância, como mostra o dossiê publicado pelo projeto Comunica Que Muda, não é de se surpreender que o “mundo real” não seja muito diferente disso. Segundo dados da ONG Safernet, entre os anos de 2010 e 2013, aumentou em mais de 200% o número de denúncias contra páginas que divulgaram conteúdos discriminatórios contra minorias.

“Está cada vez mais difícil separar o mundo virtual do mundo real. Eles estão constantemente em interação. Assim, manifestações de intolerância que começam na internet podem se estender para fora dela”, afirma a psicóloga Nádia Laguárdia de Lima.

Foi o que aconteceu com o produtor de conteúdo Átila Moreno, 33. Há cerca de três anos, ele foi expulso de um táxi por conta de sua orientação sexual.

 Átila, 33, e o namorado foram expulsos de um táxi por sua orientação sexual

    “Meu namorado na época e eu voltávamos de uma festa, à noite, no centro do Rio de Janeiro. Pegamos um táxi. Nos sentamos no banco de trás, e eu passei o braço pelo ombro dele e ficamos conversando ao longo do trajeto. De repente, o taxista parou o carro e nos mandou descer. Ele se virou para nós e disse que não carregava ‘esse tipo de gente’ no carro dele”, lembra.

Os dois foram deixados em uma rua completamente vazia e sem iluminação. A situação é ainda mais preocupante tendo em vista o fato de que 44% dos casos de assassinatos de homossexuais do mundo ocorreram em território brasileiro, segundo levantamento do antropólogo Luiz Mo, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

De acordo com a psicóloga Nádia Laguárdia, manifestações de intolerância como essa devem ser denunciadas às autoridades e instâncias competentes. “No caso No caso de manifestações de racismo, violências, ou perseguições, deve-se denunciar”, orienta.

No caso de Átila e do namorado, eles desceram do carro tão atônitos que nem se lembraram de tomar as providências cabíveis. “Eu fiquei tão chocado com a situação que acabei me esquecendo de anotar a placa e fazer alguma reclamação. Me arrependo muito de não ter denunciado”, lamenta.

Diante de situações como essa, não é exatamente uma surpresa descobrir que o Rio de Janeiro é o Estado mais intolerante do Brasil, de acordo com o dossiê do Comunica que Muda. O Estado teve um total de mais de 58 mil menções negativas nos variados temas. Em segundo lugar, veio São Paulo, com 50,7 mil, seguido por Minas Gerais, com 20,9 mil posts negativos no contexto da pesquisa. (RS)



MINIENTREVISTA




 Mariana Belém, cantora, autora do blog Mamãe de Primeira Viagem
FOTO: MANU SCARPA / AG. NEWS / DIVULGAÇÃO


Você já havia sofrido algum episódio de intolerância e agressão antes?

Nunca. Já havia lido besteira de haters (odiadores), já havia bloqueado agressão gratuita, mas foi a primeira vez que li algo tão grotesco assim, e, para mim, foi muito chocante o teor das mensagens. Por mais que seja uma brincadeirinha doentia, me choca que algo assim passe na cabeça de alguém como possibilidade. Se a pessoa escreveu, é porque pensou naquilo. Dos nove tuítes na página, sete eram direcionados ao meu perfil e incluíam coisas grotescas, como pedofilia, estupro (contra mim e minhas filhas), morte, tortura psicológica (me matar na frente das minhas filhas, por exemplo) e até canibalismo (comer meus restos com elas assistindo). Os outros dois tuítes eram de intolerância de gênero e homofobia (um deles dizia que todas as mulheres deveriam morrer, e o outro dizia que todas as mulheres e gays deveriam ser obrigados a se matar, assim como as crianças, que deveriam ser todas estupradas).

Qual foi sua primeira sensação ao ler as ameaças feitas a você e sua filha por um usuário do Twitter?

Minha sensação foi de nojo e de incompreensão. Nunca fui a megapolêmica do Twitter, não falo onde estou, não marco os locais, não sou agressiva, enfim. Foi coisa absolutamente gratuita mesmo.

Você sentiu medo real de que as ameaças pudessem ser cumpridas?

Eu denunciei para que fique claro que internet não é terra de ninguém. Que existem leis e que intolerância é crime, dentro ou fora da internet. Quis incentivar pessoas a não fazerem pouco de crimes eletrônicos e denunciarem sempre que alguém fizer algo semelhante. Internet é um lugar tão bacana, e, se depender de mim, esse tipo de gente não vai acabar com a diversão nela.

E, no mundo real, você já foi vítima de intolerância?

Não, jamais. Aliás, muitos dos que fazem esse tipo de coisa online não fazem nada disso pessoalmente. A internet está cheia de machões do mouse, escondidos atrás de teclados, covardes. Se o que me agrediu é desses, eu não sei, mas, que há muitos, há.

Você acha que as pessoas são mais “corajosas” para agredir os outros na internet?

São muito mais corajosos online. Poucos diriam na cara o que dizem na internet. Não acredito que isso aconteça no mesmo volume na vida real, não. Os covardes se escondem atrás de avatares.

Como autora de blog, de que forma costuma lidar com opiniões divergentes das suas?

Tanto no Twitter como em qualquer rede social (pessoal ou do blog), eu procuro responder máximo de pessoas possíveis, seja o conteúdo que for. Não alimento agressão gratuita, mas adoro o diálogo com opiniões diferentes da minha. Aprendo muito com quem pensa diferente de mim, porém a diferença está em como essas pessoas colocam suas opiniões. Você pode dizer tudo que quiser, pois é como você diz que muda tudo.

Como você acredita que poderíamos mudar essa realidade?

Informação e, principalmente, educação. Educação desde pequeno mesmo, desde o olhar para o outro até para si mesmo. O cara que agrediu a (cantora) Ludmila por racismo também tinha a pele morena. Como pode? Eu acredito que muitos praticam intolerância por não lidarem bem com como são e não aceitarem que alguém como eles são felizes, bem-sucedidos e adorados. (RS)
Educação é o caminho para respeito

De acordo com a psicóloga Nádia Laguárdia de Lima, a intolerância nasce de uma dificuldade de aceitação das diferenças. “Existe uma agressividade que faz parte da natureza humana. Essa agressividade pode manifestar-se por meio da hostilidade contra intrusos, pessoas que possuem crenças ou pensamentos diferentes. Assim, esses grupos servem como escoadouros para a agressividade humana, enquanto o amor é dirigido àqueles que compartilham interesses, pensamentos e ideais comuns”, explica.

A especialista ressalta que a sociedade atual tem fatores característicos que proporcionam um crescimento dessa dificuldade em lidar com as diferenças. “Acompanhamos a perda de sentido das grandes instituições morais, sociais e políticas. Há um declínio dos grandes ideais sociais e a ascensão do consumo como um valor social”, diz. Os padrões de consumo, ela continua, são expandidos pela internet, que oferece uma falsa sensação de liberdade.

Na opinião de Nádia, um caminho para uma sociedade mais acolhedora das diferenças está no investimento em um modelo diferente de educação. “Uma educação que promova a formação do pensamento crítico e reflexivo, que desenvolva o sentimento de respeito às diferenças, num mundo cada vez mais plural”, opina. Ela defende, ainda, a inclusão de uma reflexão crítica sobre o uso das redes sociais nos projetos pedagógicos das escolas. (RS)


Racismo


Na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, uma mulher branca proferiu ofensas a outra, negra, no fim de agosto deste ano. Entre os insultos, estavam declarações como “não tenho culpa de você se sentir agredida por ser mulata,amor”. O episódio foi registrado em vídeo pela vítima e postado nas redes sociais. O vídeo foi visto mais de 1,7 milhão de vezes em menos de 24 horas.


Política


Em abril deste ano, um muro teve que ser erguido em Brasília para evitar que manifestantes a favor e contrários ao impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff entrassem em confronto corporal.

Classe social




Em fevereiro de 2014, a professora Rosa Marina Mayer, da PUC do Rio de Janeiro, postou, em seu perfil no Facebook, uma foto de um homem de camiseta regata, bermuda e tênis no aeroporto Santos Dumont.

Junto com a foto, ela debochava: “Aeroporto ou rodoviária?”. A foto com o comentário repercutiu a ponto de a autora do post pedir desculpas públicas, apagar o post e ter que trocar sua foto de perfil por uma de dois gatos.


Homofobia


Na última semana, um vídeo que correu pelas redes sociais mostrava uma travesti e sua irmã sendo espancadas por três homens no Rio de Janeiro. Os três autores foram identificados e tiveram a prisão temporária decretada.


Xenofobia


Em 2014, 13 trabalhadores imigrantes haitianos denunciaram espancamentos sofridos dentro das empresas em que trabalhavam em Curitiba. Um deles foi espancado até perder os sentidos. - Leia a matéria completa em: http://scl.io/3jk8OnyR#gs.Tkim3O4

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